Novos inícios para vir ao mundo

"Há momentos na vida em que a questão de saber se podemos pensar diferente do que pensamos, e perceber diferentemente do que vemos, é absolutamente necessária se quisermos continuar de algum modo a olhar e refletir." Foucault (1985)

Alcides Barobosa, hóspede, 2019.

Estamos sempre muito afeitos a nós mesmos, sempre muito agarrados aos nossos pensamentos e nossas ideias sobre o mundo. Mas não é por preguiça ou por falta de vontade que isso acontece. Agarramo-nos a nós - ao que chamamos de identidade - porque é uma maneira de sobreviver, uma
estratégia para dar sentido às coisas que vivemos, por meio-através da aplicação dessa espécie de filtro que é nosso´setting´ identitário: como eu sou, como eu faço, como eu vejo, como eu penso, como eu respondo ao outro. Temos assim alguns ganhos sociais, participamos de grupos, nos sentimos parte de algo, nos sentimos acolhidos por nossos ´iguais´, trocamos com mais facilidade e percebemos esta força do grupo que se identifica.
Apesar de sabermos que ao longo de nossa vida já mudamos tantas vezes, já fomos tão outro tantas vezes, assim mesmo persiste uma sensação de que o Eu de hoje é o meu verdadeiro eu, ou de que o Eu de hoje é uma decorrência inexorável de tudo o que eu vivi até agora, mas quando examinamos `o que vivemos até agora´ podemos encontrar uma série de cacos, de acasos, de equívocos bem logrados, de `sortes e azares´... Quase sempre nossas histórias são marcadas por esses momentos quando o incontrolável, o impossível, o inesperado, o estrangeiro, as forças atmosféricas, econômicas, etc etc, foram a tônica, foram aqueles elementos caóticos que moveram decisões, atitudes e por vezes, transformações radicais.
A identificação, as identidades fixadas são uma maneira de tentarmos domesticar o indomesticável, uma maneira de cercar um terreno, de botar um portão e uma bandeira. Só entra quem for conforme. 
Esta é a vida sedentária, regalada por pequenos luxos, decerto, mas sentada sobre uma impossibilidade que pode ser fatal.
Em jogo está nossa capacidade de continuar "de algum modo a olhar e refletir", uma vez que este sedentarismo tende a criar raízes profundas e a reforçar cada vez mais suas fronteiras, transformando-nos em meros reprodutores de nós mesmos, meros replicadores de vozes que não são a nossa própria voz.
Mas o sedentarismo se rompe facilmente com o movimento!
Para experimentarmos outro olhar ou outro pensar, precisamos do outro. Precisamos do encontro e expor-se ao encontro e responder sem evasivas ao encontro e deixar-se ser derrubado pelo encontro e  confiar no outro e correr riscos. Precisamos nos colocar em movimento, sem bagagem.
Essa derrubada da ideia fixa da identidade fixa exige esforço e nos coloca em lugares estranhos e desconfortáveis dos quais preferiríamos fugir ou destruir. Por isso, quem deixa a vida sedentária precisa cuidar-se.


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