QUINTALKS com Mathias Reis: 'Cartografia e geografias da experiência: Introdução' (Parte 1)


Os encontros que aconteceram durante a residência artística na nave na mata, foram uma deriva por entre intensidades latentes. A companhia dos colegas passou por reflexões caras ao fazer artístico, as pesquisas e as circunstâncias políticas em que vivemos. Quase sempre abordadas por vias moleculares, questões como o fim da identidade, a crise do humanismo e a bio-política nos direcionaram a um campo de incertezas e dúvidas, de empirismo e experimentação. Puxar o tapete da modernidade, com certeza, é uma experiência melhor de ser feita em coletivo, em bando, não como massa homogênea, mas por vias da diferença, deixando os afetos de cada um ter espaço de respiro e propagação, tempo para que reverbere sentidos ao outro. Esse processo é uma mão dupla perigosa, as influências recíprocas podem se anular, correm o risco de formar uma nova identidade, de viver a sombra de vícios de linguagem, de transformar a diferença numa estátua, imóvel e sem voz. Podemos dizer o mesmo da Mata Santa Genebra, uma influência muito forte, carregada de intensidades que vibram nos corpos e ideias, mas que para ser castrada e transformada em monumento, basta um arremate de idealismo romântico. O contato material e empírico se deu com as relações de preensibilidade das trepadeiras e dos macaco-prego e seus devires, para ver esses questionamentos visite: Preensibilidade e perspectivismo inter-espécie


Comecei trabalhando com vergalhão de aço e cimento que são a fundação da construção civil e da sociedade contemporânea, nada sustentável, um terror para o ambiente. Talvez fosse uma provocação a mim mesmo pelo uso que estava fazendo de materialidades que fossem sustentáveis, com receio de me tornar moralista. Entendo que as relações eco-lógicas são complexas e às vezes um juízo de valor raso e estereotipado pode ruir com qualquer potência que esteja em devir. Não privilegiei nenhuma forma inicialmente, mas para minha surpresa as pequenas esculturas se pareciam muito com brotos de trepadeiras. Com o tempo expandi a esculturas que necessitam de fixação na arquitetura (espaços geométricos/gestalticos) e em elementos orgânicos como árvores, terra, etc. As trepadeiras não reconhecem a distinção entre o que é orgânico ou industrial, a poética é de buscar seu alimento, a luz do sol. A primeira delas foi feita numa ocupação artística e serviu de ponte para macacos-sagui, a que está nessa residência faz transição do muro de cimento ao chão de terra batida. Pensei nelas brancas para que fossem como uma tela que seria pintada pelo ambiente, ruidosas para que a matéria jogada pelo vento grudasse e criasse formas. Assim como o artista entrega suas peças ao público que atribuirá a elas seus próprios sentidos, assim são pensados meus trabalhos em relação ao ambiente. A função do vergalhão de aço e do cimento é subvertida, desterritorializada e passam a compor uma relação simbiótica com outras espécies, que ironia!



As reflexões que apresento a partir daqui tiveram motivação questionar sobre o processo de criação em residências artísticas. Como o processo do artista é influenciado pelo ambiente com o qual se relaciona? Antes de generalizar uma ideia dizendo que ela ocorre para todos, prefiro pensar especificamente em pesquisas que tem uma intencionalidade em trabalhar com essas relações. Assim, a curiosidade de investigar esses movimentos, partiu de experiências práticas, de um saber-fazer processual que também é nômade. Na apresentação para os amigos/grupo de discussões da Nave na mata, decidi que seria interessante contextualizar e recapitular as vivências e circunstâncias que se desdobraram nessas dúvidas. A residência artística ‘Autumnus Austral’ que desenvolvi na Nave na Mata durante o outono, também foi uma grande disparadora dessas possibilidades. Essas discussões estão ainda acontecendo, em imanência das ideias e encontros, mas minha intenção aqui é de criar um plano de organização delas, elaborando alguns conceitos que podem potencializar a discussão. 

Observação: Tenho referência em vários autores que costumo ler sobre o assunto em diversos campos como na filosofia (Deleuze,Guattari, Merleau-Ponty, Dufrenne, Suely Rolnik) na biologia (Maturana e Varela, Uexkull), na antropologia (Ingold, Viveiros de Castro, Haraway), na física (Capra), na geografia (Milton Santos) e nas artes (Smithson, Hundertwasser, etc etc) mas tomarei a liberdade de não me prender aos conceitos como elaborados por eles ou de fazer citações diretas. Aproveitarei a ocasião para organizar um plano de organização conceitual próprio que componha sentido a nossa própria circunstancia e especificidade.


Introdução 
(Encontro realizado no dia 23/07/2019, estiveram presentes Edson Santos, Iam Campígotto, Flávio Shimoda, Helena Marc, Pedro Hurpia e Seizo Soares)





Durante a fala, relatei a experiência com o Atelier Contágio, um projeto que desenvolvi num espaço próprio durante três anos junto à aproximadamente 30 artistas. Tinha como proposição pensar na especificidade eco-lógica do ambiente para desenvolver trabalhos artísticos, assim como, duas mostras abertas ao público. Após o processo, tive uma reflexão de que se formou um território material, que entendo por paisagem. Além dos trabalhos artísticos junto a plantas e outras espécies, também contava com hortas orgânicas, viveiros, bio construções e uma relação próxima da permacultura. No entanto, como essa proposição era nova para a maioria dos participantes, partilhamos experiências e vivências, desenvolvemos técnicas em conjunto e um modo de ação coletivo. Assim, pensei na possibilidade de havermos formado um território que era imaterial, constituído por essas experiências.

Essa possibilidade tornou-se a proposição de deslocamento dessas ações coletivas para outro ambiente, que por sua vez já tinha suas relações materiais/imateriais. Ao mesmo tempo, também optei por deslocar minha própria produção artística que era processual com plantas e relacionada com a especificidade viva daquele ambiente para uma galeria de arte com espaço interno branco. Partindo disso, a grande dúvida que permanece a ser explorada é sobre a relação entre territórios imateriais que pertencem ao plano de experiência e seus desdobramentos expressivos num território que é material, que podemos entender aqui por ambiente. A partir dos deslocamentos realizados nessas mostras (‘urubu-rei’ e ‘variações do pé vermelho’) e do que foi discutido junto ao grupo, elaborei um breve glossário conceitual e alguns diagramas para cartografar essas relações a que se seguiram com as próximas postagens.Para saber mais sobre como foram esses processos e deslocamento visite o endereço abaixo das imagens.

  
AMBIENTE REFERENCIAL





                www.ateliercontagio.com 
                                                                                                            https://www.mathiasreis.com/territoacuterio-continuo--continuum-territory-2016-2018.html                                                                                                          https://www.mathiasreis.com/genealogia-da-mateacuteria--genealogia-of-matter-2016-2018.html


DESLOCAMENTOS



  https://www.ateliercontagio.com/urubu-rei-2018.html                   https://www.mathiasreis.com/variacoesdopevermelho.html



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